domingo, 26 de julho de 2009

Refém

à sobra da tua face
meu sonho repousou,
fez uma fenda na saudade
invadindo a solidão,
dilacerando a solidão,
deixando de ser só
a solidão.

à sombra de minha mão
te guardei.
com carinho ampliei
o teu mundo.
dei sentido à antiga escuridão
e com aluz
que há em teus olhos
inaugurei um amanhecer
eterno e único.

e te fiz assim,
anjo-mulher,
eterna e única.

em troca,
recriaste em mim uma antiga solidão.
deste a mim um olhar
opaco e seco...

porém te digo:
podes roubar de mim
a tua companhia
e teu amor,
mas sempre serás refém
porque teu mundo
quem inventou fui eu...

Podes roubar de mim
a tua companhia
e teu amor,
só não poderás
roubar o que há em mim
de luz,
pois isso, fui eu
que roubei te ti...

Ao Mestre com carinho ou a sétima lágrima não vertida




Sei que deveria deixar de lado o caráter pessoal dos textos postados, mas não há como deixar de dividir com os poucos e seletos visitantes deste blog o sentimento vivido no último sábado (25) por mim e minha turma de pós graduação na Fafire.

Era manhã de sábado, e tinha tudo para ser somente mais um sábado, não fosse aquele o último dia de aula da disciplina de análise do discurso poético, ministrada pelo Professor Lourival Holanda (foto). Naquele dia, por motivos de saúde eu havia chegado atrasado. Aula transcorrendo normal, mas quando ensaiava olhar meus colegas, percebia várias vezes um ar de saudade, que não era de despedida, mas saudade de uma presença, presença muito forte e firme daquele que não é um professor tão somente. Este ar de saudade invadiu a sala e nos semblantes até mais fortes poderíamos notar a saudade daquela voz, daquele olhar de Lourival, que diz tudo sem falar nada, saudades de suas pausas poéticas traduzindo a poesia sem utilizar as palavras. Por isso lhe fogem as palavras, é para amadurecer em nosso íntimo a palavra poesia.
Vozes poéticas era o tema, poesia na música. Que encerramento notável. Feito para emocionar, para acordar a saudade e a poesia dormente. O intervalo teve sabor de aproximação, meus amigos ali ao redor daquela figura sem igual, buscando as últimas migalhas de presença, de voz, de matéria, buscando somente ficar junto do Mestre... Talvez ele me chamasse de covarde ao saber que fugi da presença de todos no intervalo, após o lanche coletivo que fazemos juntos, fugi, fui ao shopping que fica próximo e andei sem destino, num vazio que parecia não ter fim. Várias voltas depois no horizonte das vitrines resolvi voltar. Na sala já, falei brevemente com alguns colegas, falei inclusive com o Professor... era na verdade uma dica a mais sobre Carlos Pena Filho, o qual desejo pesquisar para fazer a monografia, e ele, sempre solícito me forneceu ali mesmo, algum material...
Ao final da aula, todos pareciam em êxtase, enfim chegara o encerramento da disciplina, momento que eu não estava pronto (estudei quatro anos na UFPE e nunca em nenhuma disciplina tive a sorte de estudar com Lourival). Poucas semanas, ingratas semanas... Enfim, o professor dá a vez para que falemos sobre as impressões, as falas que encerrariam a jornada até ali. Não foi novidade que as palavras fossem de satisfação pela aula e pela agradável presença de Lourival. O que me foi novidade naquele momento tão sublime é que esperei cair uma lágrima, não minha mas, de um colega de classe, Gilles. Antes da fala do nobre colega, já em tons vermelhos claros. Observei, quase em contemplação as quatro lágrimas pesadas de Kênia, e que peso elas tinham. Traziam as lágrimas o peso de toda a poesia guardada desde o primeiro dia de aula. Eram tão pesadas mas souberam se extinguir na palma de sua mão trêmula e Kênia guardou só para ela aquela poesia.
Não havia eu reparado pela sutileza de Roberta por trás de seus óculos nada sutis. Também ela soube verter mais duas lágrimas, não tão pesadas assim, mas que pareciam as lágrimas de um meninos que vê da sua gaiola quebrada voar sorridente aquele pássaro de tão grande importância para tal menino. E aquelas duas lágrimas silenciosas lentamente beijaram as bochechas de Roberta como um beijo da saudade dizendo “cheguei e vou ficar!”. Silenciosas eram elas mas ainda as pude captar.
Só não mirei de verdade a sétima lágrima, talvez ela tenha se guardado pela macheza de um rapaz que não tinha alma e passou a tê-la depois desses encontros poéticos. Gilles falou o que cada um queria falar ali. Da humildade e da grandeza de um professor que se tornou símbolo e exemplo por muito ensinar, sem tratar nenhum de nós como alunos somente, mas como futuros pesquisadores, mestres e ensinando quem sabe, a sermos poetas com uma visão mais afinada com o sentimento do mundo.
Não vi a sétima lágrima, talvez ela tenha até banhado, no silêncio, o rosto do nobre colega. Mas sei que ela estava lá. Guardada e pesada de muitas poesias também. Com um egoísmo plausível, não foi dividida conosco.
Não vou aqui tentar desenhar a mágica daquele momento. Seria muito pouco possível narrar todo o sentimento. Só vivenciando da presença de Lourival Holanda é que se pode entender que apesar da humildade, todos sabem que se trata de um condensador de poesia. É nele que se concentram os estímulos de ser poeta e de se ter alma. Ao Mestre com carinho dedicamos nossos agradecimentos por existir e por nos permitir ver com nossos olhos o que de sentimento existe em cada palavra, em cada objeto em cada coisa que nos circunda. Ao mestre um abraço arrochado feito nó de navio, cumprido e preciso feito língua de manicure.
(gostaram da quebra de ritmo?).
....................................................................................................Gerferson Neftali

sábado, 18 de julho de 2009

DOS TEUS OLHOS


Seus olhos me trazem paz
e eu,
pedinte eterno,
quero sempre um pouco
mais...

dos teus olhos
quero o cansaço
e esse secreto desejo
de ser sempre descoberto.


Quero esse amor
e ver o mundo
no verde desse olhar,
sendo assim,
peço mais
e o mais importante:

que esses olhos
tão puros,
atlânticos,
possam me perceber,
só por uma vez!

(gerferson neftali)

FILHO DO RECIFE


Filho do Recife,

da Guararapes,

do Savoy.


Filho de uma cidade

ingrata,

que esquece,

que não merece o

Filho que tem.


Carlos é Filho,

é também Pai

na poesia


e é por ele

que a cidade

respira o azul,

o azul que dá cria

a poetas

todos os dias.

(gerferson neftali)

contaminado do azul

quinta-feira, 9 de julho de 2009

Pegue na minha e balance


Ontem fiquei apavorado no ponto de ônibus perto de casa. Nada de assalto, nenhuma briga na mesa do bar... um vizinho meu aficionado por brega estava ouvindo este gênero e eu, sem nada melhor para ouvir, aprendi a letra rapidinho: "toque meu bem, toque uma pun... arretada. toque, vou dar uma goz..." meus amigos, eu assustado olhei para os lados para ver se alguém estranhava aquele absurdo, porém as pessoas continuaram indiferentes. Não sei se perceberam minha agonia, mas cá pra nós, desejei que a ditadura militar voltasse somente para censurar aquele som... não é discurso puritano não, eu só penso em nossas crianças e nos futuros homens e mulherem que serão um dia.

Dia desses conversando com nosso professor de discurso poético surgiu na sala um breve comentário sobre os bregas que comumente nos atingem de forma até deselegante e entram em nossas casas e nos tiram o sossego e o pior... ficam em nossas mentes, como o caso da letra do "toque meu bem". Nosso querido professor então solta um trecho do "pegue na minha e balance" e ressaltou que estas letras produzem riso, que isto é o que mais interessa à população atualmente e que é muito mais interessante se oferecer algo pronto, preparado, não permitindo ao leitor e ao ouvinte dar uma significação que busque sentir o que a poesia exala, então nosso professor recitou alguns versos de Juana Inés de la Cruz:

"Que unidas de las dos manos

las bien tejidas palmas

con movimientos digan

lo que los labios callan"...


Não é muito mais bonito assim? Vejam que maravilha, a autora disse a mesma coisa do "pegue na minha e balance", só que de um jeito muito mais poético. Seria demais pedir que a música baiana e o brega chegassem a este nível, mas tentar não custa nada... ou custa?

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Erro de português e de brasileiro


... a puta sofria de dor
(de puta dor ela sofria)
em saber no que o filho se transformou...

... sen a dor o que seria de nós...

domingo, 5 de julho de 2009


a palavra que não foi dita

calou-se no íntimo de nós...

a distância não mostrou a cara

e os braços disseram enlaçados

o que a boca negou-se a falar.


e não houve despedidas

o sentimento venceu a palavra,

o silêncio do momento

reinaugurou o amor

sem precisar separar o verbo
amar...

sábado, 4 de julho de 2009

sentir sentimentos (?)


Difícil tarefa esta de trabalhar a poesia em suas mais importantes funções. Afinal, por que escrevemos e lemos poesia? A teoria ensina mas deixa uma lacuna, de propósito, que será adaptada a realidade de cada um. Escrevemos porque sentimos necessidade de expressar um sentimento com a preocupação de não cairmos na mesmice de tantos outros e ainda com o cuidado de não sermos o poeta que nos inspira. Sermos únicos em nossa produção, mas influenciados por uma outra voz que não sou nem eu e nem um eu lírico sentimentalóide... essa história vai longe...

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Pelas ruas que andei...


Andar pelas ruas de Recife me causa uma enorme indignação. Mas como bem diz a música da banda Skank: “a nossa indignação é uma mosca sem asas, não ultrapassa as janelas de nossas casas”, limito-me à observação, passo o dia remoendo imagens e agora relato o que tanto me incomoda. Andar pelo recife e perceber uma cidade suja não é novidade. Não é novidade também que os ambulantes na rua da Palma, rua Sete de Setembro, do Hospício e mercado de São José amontoam lixos em todos os lados das ruas causando a impressão de que disputamos espaços com porcos num ambiente nada saudável e nem um pouco bonitinho pra sair no cartão postal.
O que me é novidade é a quantidade enorme de pessoas que se mudam diariamente para as ruas do centro, principalmente a rua do Imperador, Dantas Barreto e ao longo da Conde da Boa Vista, mas isso é mais visível à noite, quando o comércio desce as portas e tem suas fachadas transformadas em abrigos. Este fato não é novidade para a maioria dos recifenses. A novidade está na quantidade imensa de pessoas morando nas ruas sem nenhum amparo ou atenção.
Passamos por estas vias sem nem nos darmos conta de tal fato. A primeira reação é culpar alguém, a prefeitura, o governo do Estado ou então a culpa é de Lula. Quer saber de uma coisa. Não vou culpar a ninguém. Creio que não me cabe fazer isso, mas posso pelo menos explodir num assomo de indignação pelo que vejo. Alguém (não sei quem) tem que tomar uma atitude que preste uma assistência a estes cidadãos com direitos tolhidos. Eu diria até mais, chamá-los de cidadãos é categorizar de forma imprecisa, eu diria seres humanos. É isso, seres humanos dormem nas ruas de Recife. A capital multicultural do Brasil ostenta um alto índice de desabrigados que não aparecem nos cartões postais da cidade.
Estamos deixando que crianças malabaristas acostumem-se nos sinais de trânsito da cidade. E esta facilidade fará com que o número de moradores de rua aumente. É preciso encarar o problema de forma definitiva e criar condições de vida que sejam satisfatórias para um futuro melhor. A situação não é fácil de ser resolvida, mas é preciso que se dê o primeiro passo que é uma indignação coletiva mas com as janelas abertas.